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Reflexão sobre uma fotografia - O trabalho de Sebastião Salgado

Muito se pode falar sobe uma foto, ou um fotógrafo. Instigado pela pergunta “que foto vem primeiramente a sua cabeça ao pensar em Sebastião Salgado? E o que pensa dela?” fiz esse pequena reflexão.

Ao ouvir falar de Sebastião Salgado (cá pra nós SS), penso sempre primeiro nas fotos do livro terra, que foi lançado em 1997, e foi quando conheci o SS (veja algumas fotos neste link). Na época não comprei o livro, pois não tinha dinheiro. Mas por sorte foi feito um lançamento na minha faculdade, e nesse evento venderam, á parte do livro, um CD do Chico Buarque que normalmente vinha com o livro, um CD com 4 músicas incríveis, duas inéditas, participação de Milton Nascimento, e algumas fotos no encarte. Eu tinha 19 anos e começava a me interessar por fotografia, e ele foi minha primeira referência. A ideia de fotos ao mesmo tempo belas e críticas, me marcou muito na época.

Denúncia?

Há algo de denúncia na obra de SS. Mas apesar de funcionar como denúncia, corre o perigo de acabar se perdendo em um “mar de denúncias” que vivemos hoje. Antes da era da internet seu trabalho parecia ter mais peso nesse sentido, agora são tantos trabalhos com propostas de denúncias, que de certa forma o sofrimento humano se banalizou, e mesmo o trabalho de SS sendo de alto nível, acaba um pouco afogado entre tantos outros, ruins ou bons.

Não vejo problema nas fotos serem posadas (essa é uma crítica recorrente). Aliás não acredito em fotos espontâneas, seria preciso que o fotógrafo fosse invisível, que não se soubesse de sua presença. O fato de estar lá sempre influi e muda o comportamento das pessoas, no fim as espontâneas acabam sendo posadas da mesma forma.

Acho que o posado pode ser até uma forma de acordo, de contrato, entre fotógrafo e fotografados, para se buscar algo que interesse ás duas partes. As pessoas fotografadas também tem seus interesses, aspirações, e uma foto assim pode ser um sinal de respeito, de se assumir o diálogo entre fotógrafo e fotografado.

No entanto é preciso lembrar que boa parte do trabalho de SS não é de fotos posadas, mas as suas espontâneas são feitas dentro de acordos, todos ali sempre sabem quem ele é e o que está fazendo.

Ficção e polêmica

Há uma certa ficcionalização? Talvez, mas não vejo polêmica, mas sei que muitos veem. A fotografia é uma forma de representar a realidade, não é A realidade. Ninguém acusa Dostoiévski de exagerar a realidade. Da mesma forma um fotógrafo também cria uma história, com intenção de contar algo, porém que vê pode perceber uma outra história. De certa forma acho até que SS pega leve, as questões que ele já lidou são sobre os maiores sofrimentos humanos, e suas fotos não trazem toda a dor vivida por essas pessoas, acho que nem poderiam, mas talvez tenha a forma de marcar nossa memória de forma profunda, é difícil esquecer suas fotos, e assim é difícil esquecer a condição humana.

Então elas induzem e otimizam sim, mas todo e qualquer relato ou narrativa faz isso, apenas acho que SS faz bem e de forma clara.

Isto é "fine art"?

Não sei, esse termo é confuso e usado para coisas diferentes. De certa forma é necessariamente fine art, já que é vendido como arte, exposto como arte. Para o autor acho que é reportagem. Mas eu pessoalmente acredito que por vários motivos SS alcançou um nível que não é normal, fazendo trabalhos com prazos e orçamentos que um fotógrafo iniciante não pode sonhar, acabou sendo mais que fotografia, é uma mega-produção que o tornou uma grife, alguém como um Picasso ou algo assim, um fenômeno midiático. Não que não seja bom, é fotografia do mais alto nível, mas extrapolou o que 99,9% dos grandes fotógrafos vão conseguir. Eu diria até que o SS não deve ser referência para um jovem fotógrafo. Mesmo Cartier-Bresson, o maior fotógrafo da história para muitos, teve tanta repercussão.

O efeito das fotos

São boas, somam beleza, experiência estética e reflexiva. Mas também tem essa “aura “ de arte, de grife, de algo que ficará para a história. Acho que é um fenômeno pop, de mídia, como Madona, Michael Jackson, Princesa Daiana, Pelé, enfim, guardado as devidas proporções, mas é a soma de qualidade e algo difícil de definir, estar no local certo na hora certa, receber apoio da crítica, dos meios de comunicação, conquistar o coração do público, não sei. Tem fotógrafos praticamente tão bons quanto ele, até famosos, mas que não chegam nem perto em fama.

Por último lembro que SS trabalha muito, muito mesmo, já conheci pessoas que o conhecem, e em campo ele é o primeiro a acordar e o último a dormir, é detalhista e exigente, essas características contam muito também.

Fotografia Contemplativa?

O trabalho de SS não se aproxima da Fotografia Contemplativa de forma óbvia. Claro que podemos encontrar uma certa atenção ao comum, porém a atitude é de extrema conceitualização. Não há contemplação, creio. Mas isso não diminui em nada seu trabalho, a proposta é outra, mas é legal podermos refletir sobre essas diferenças.

Yuri

Sobre o autor: Yuri Bittar

Yuri Bittar é designer, fotógrafo e historiador. Atua como designer gráfico, e desenvolve cursos de fotografia, exposições e as saídas Fotocultura, além de pesquisas sobre humanização no ensino da saúde. Através da história oral, da fotografia, da literatura e outros recursos, tem buscado criar projetos mais próximos ao humano e que contribuam para a melhora da qualidade de vida.

Contato: yuribittar@gmail.com

Site pessoal: http://www.yuribittar.com

 

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