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Ver, agradecer e experimentar a vida: a Fotografia Contemplativa como experiência interpelativa O que pretendo explicar aqui é que ver e experimentar DE VERDADE não é fácil. Geralmente não fazemos isso. Para realmente experimentar o olhar, a fotografia de uma forma nova, até mesmo a vida, precisamos primeiro ser capazes de aceitar, saber que temos uma inteligência da visão, quer podemos ter uma experiência interpelativa, e que podemos agradecer, e isso é bom.
Um dos objetivos da Fotografia Contemplativa (também chamada de miksang, mindfulphoto e outros), prática de origem budista, que posso dizer (com certa liberdade poética) uma meditação fotografando, é nos ajudar a ver mais e melhor, ver com clareza, sem preconceitos, buscando o belo (enquanto harmonia), compartilhando essa visão e promovendo assim qualidade de vida. Este texto é apenas um ensaio, uma aproximação a essa temática, que pretendo desenvolver melhor em minha tese de doutorado em desenvolvimento, “O Laboratório do Olhar”. Aceitar Ver e experimentar devem ser entendidos como atividades passivas. Experiência, por definição, só acontece sobre nós (em nó, por nós). Nas situações que já controlamos, não existe mais experiência. Mas não se enganem, aceitar, ser passivo (ou passageiro da experiência) é na verdade extremamente ativo e transformador, pois apenas vendo realmente, sem intenção de controlar ou alterar, aceitando as imagens como elas se apresentam, e não buscando o que queremos, é que podemos apreender o mundo, torná-lo nosso, espaço de nossa vida e nossa arte. Devemos usar a fotografia para ver mais (e não menos) e para aumentar a experiência da vida, e não para enquadrar a vida nos pré-conceitos que já temos. Devemos achar o mundo belo e por isso fotografá-lo. Não achar “legal” só o que “dá boas fotos”. Aceitar é o primeiro passo para ver de verdade. Em mindfulness (saiba mais aqui: http://www.mindfulnessbrasil.com/mindfulness/o-que-e-mindfulness/ ) aprendemos que a aceitação não é resignação, mas sim aceitar o que não pode ser mudado, e mudar o que pode, e não ficar lamentando o que não podemos fazer. Imagine se você sofresse porque não tem boas fotos, já que não foi a lugares especiais, cidades turísticas e famosas. Aceitar que você está aqui e agora, na sua cidade, te leva a poder procurar o que tem de bom neste local. Inteligência da visão Sim, temos uma inteligência da visão, que está no olhar mesmo, e essa inteligência da visão e é no mínimo tão rica quanto à inteligência da mente. Devemos confiar nesse tipo de saber pouco explorado, mas totalmente verdadeiro, ancestral, que estava presente e forte nos primeiros homens que desenharam nas cavernas. A inteligência da visão não deve substituir a da mente, mas sim complementar e ampliar nossa capacidade de ver e absorver o mundo. É essa inteligência que tem os flashes de percepção (entenda mais sobre isso aqui: Fotografia Contemplativa II - como fazer ), que bate o olho nas coisas e pode encontrar harmonia e beleza, que as vezes é depois descartada pela mente, que procura uma utilidade para tudo. A inteligência da visão não julga, não lembra, apenas vê. Digamos que é o olhar puro. Experiência interpelativa Fotografia é experiência, não só na contemplativa, mas em qualquer tipo. Em muitos tipos de fotografia o fotógrafo precisa ver o mundo além do raso, além do óbvio, e para ir fundo assim é preciso ter experiência de vida, mas não só aquela que vem com os anos, mas a experiência com qualidade. O problema é que a correria do cotidiano e o ritmo da pós modernidade tem nos tirado essa experiência. A experiência interpelativa, que é aquela experiência “real”, que nos toca, nos afeta, nos tira da reta (conheça minha série La vida entre rectas ) e assim traz novos conhecimentos e pode até levar a mudanças de visão e atitudes. Para ter essa experiência é preciso diminuir o ritmo. Nestes tempos de correria e estresse é preciso mesmo uma desaceleração, um momento para parar, sentir, pensar, ter uma real experiência interpelativa, ser tocado pelo acontecimento, e poder refletir, trocar experiência e ter uma mudança de atitude (Bittar, 2011). “A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.” (Bondía, 2002) Termos a verdadeira experiência é a única forma de ampliarmos nossa humanidade, ampliar nossa “esfera do ser”, ser mais humanos (Bittar, 2013). Precisamos ainda desenvolver nossa capacidade de agradecimento. Agradecer ao mundo pelo que ele nos dá, no caso da fotografia, pelas imagens que estão por aí para serem capitadas, é uma forma de perceber o valor de cada coisa. Agradecer Agradecer é o quarto passo, é uma forma de ver o cotidiano de forma positiva, abrindo o coração, o que nos ajuda a abrir os olhos. Sobre o conceito de gratidão a Monja Isshin Havens conta: "Então, se, inicialmente, alguns de nossos agradecimentos possam sair forçados, a contragosto, mesmo assim, a Prática de Gratidão vai operar os seus milagres. Agradecendo, começamos a perceber mais e mais coisas a agradecer. Agradecendo, o coração se abre. Agradecendo, começamos a perceber o quanto temos para agradecer. Começamos a descobrir que até as situações difíceis têm um lado positivo a ser agradecido." Às vezes é fácil agradecer, quando encontramos paisagens incríveis, ou quando encontramos uma pessoa amada. Mas agradecer todo dia é um desafio, e vale a pena começar essa aventura, recomendo que você faça o projeto 365 agradecimentos, que consiste em fazer e postar uma foto por dia em agradecimento a algo (veja mais aqui: http://www.yuribittar.com/new/index.php/outros-textos-e-projetos/365-agradecimentos-grateful ) é muito desafiador e transformador. Conclusão A Fotografia Contemplativa é praticar a fotografia com o olhar aberto, claro, curioso, sem julgamento ou expectativas. No caminho dessa prática percebemos que: · Aceitar o mundo é se encantar com o cotidiano, ser feliz com o que temos, aproveitar o momento; · Perceber a inteligência da visão é expandir nosso campo de apreensão do mundo; · Se abrir à experiência permite que nos transformemos, que ampliemos nossa humanidade; · E agradecer é abrir o coração e os olhos, e descobrir a riqueza da via diária. Se expor á experiência interpelativa da vida, através do olhar. Esse é um possível caminho para a prática da Fotografia Contemplativa, e talvez para melhor nossa qualidade de vida também. Agora cabe a mim, e quem sabe a você também, tentar trilhar esse caminho e ver o que acontece. Referências: BITTAR, Yuri. Um laboratório para a humanização em saúde - o Laboratório de Humanidades e a literatura como instrumento de humanização. 2011. Dissertação (Mestrado) - Centro de Desenvolvimento do Ensino Superior em Saúde, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo. 2011. BITTAR, Y.; SOUSA, M.S.A.; GALLIAN, D.M.C. Esthetic experiencing of literature as a means for humanization of healthcare: the Humanities Laboratory at São Paulo Medical School, Federal University of São Paulo. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.17, n.44, p.171-86, jan./mar. 2013. BONDIA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Rev. Bras. Educ., n.19, p.20-8, 2002. Disponível em: http://ref.scielo.org/tmxxq7 Demarzo, Marcelo & García-Campayo, Javier. Manual Prático de Mindfulness: Curiosidade e Aceitação. Editora Palas Athena, 2015. KARR, Andy e WOOD, Michael. The Practice of Contemplative Photography: Seeing the World with Fresh Eyes. Shambhala Publications, Boston, 2011. HAVENS, Isshin. A Prática de Gratidão, Blog. Disponível em: http://monjaisshin.wordpress.com/2007/07/04/a-pratica-de-gratidao/ Fotos e texto: Yuri Bittar (Artigo publicado dez/2016)
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