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A fotografia em linha reta e a vida entrelinhas Fotografia de rua, vida pós modernaFazer fotografia de rua (street photography) é observar o dia a dia da cidade, entender um pouco desse cotidiano, participar da vida da cidade em que vivemos ou as que visitamos. Fotografia de rua é o registro da realidade em forma de arte. Mas que realidade? Uma questão que tem me intrigado é o desencaixe da vida atual, como as pessoas se sentem excluídas ou insatisfeitas, numa época que as principais doenças são depressão, ansiedade, pânico. Como esse estilo de vida estressado pode (ou se impõe para) aparecer nas fotos? Tentando entender isso melhor, fui pensando, e clicando. Vendo as minhas fotos, lendo livros, falando com pessoas, foram surgindo lampejos de ideias. A vida entre linhas - São Paulo 2016 Bem, a vida pós-moderna parece pedir linhas retas, constância, previsão, segurança, planejamento, pede que sigamos essas linhas pré-determinadas que nos levarão a ser uma pessoa de sucesso, é só prestar atenção aos comerciais de TV. Tentamos, mas não conseguimos, viver em linha reta o tempo todo, afinal a natureza humana é irregular. As vezes, vendo a vida dos outros, no Facebook por exemplo, temos a impressão que a vida dos outros segue na linha, reta e sucesso, e só a nossa é “bagunçada”. Será? Veja o Poema em Linha Reta de Fernando Pessoa ao final desse texto, nele o poeta se cansa da perfeição dos outros, enquanto ele parece ser o único que erra, o único ridículo, o único vil, enquanto os outros são apenas perfeição. Acho que tentamos fazer isso, ser retos, perfeitos, andar na linha, mas vida é orgânica, acontece nas entrelinhas, mudamos de ideia, falhamos, fazemos caminhos errantes. Nosso discurso pode ser de linha reta, mas sabemos que vivemos num emaranhado de linhas confusas. Ora, voltando a falar da realidade, aquela que a fotografia de rua busca retratar. Existe um certo caos na realidade, pois as coisas acontecem em ritmo frenético e sem parada, múltiplas e incontáveis “coisas” acontecem ao mesmo tempo. A realidade é como uma série de imagens numa quantidade infinita a cada segundo. Não podemos reter a realidade, não damos conta de tudo, o que podemos é apenas reter algumas imagens criadas por nossas câmeras, como disse Susan Sontag (em Ensaios sobre a Fotografia, editora arbor), mas essas imagens estão para a realidade como as pegadas estão para a pessoa que as deixou, é algo palpável que restou do impalpável que aconteceu. Assim a imagem registrada pode, às vezes, ajudar a organizar nosso entendimento do real, pois escolhemos um instante dos infinitos possíveis, e nele encontramos uma chave para ler o real, ou para reciclar a realidade. A imagem não é aquela realidade da cena fotografada, mas é uma nova realidade, assim como uma pegada não é a pessoa que a fez, mas é uma pegada real. A fotografia então, entendo, é uma realidade criada a partir da realidade abstrata e maior, a vida. Assim, a fotografia pode ajudar a amenizar o caos da vida...hum, aqui fui longe demais na afirmação, acho… Será que a fotografia pode ajudar a nos tratarmos dos males da vida pós moderna? Mas tenho a impressão que sim, sinto isso acontecer comigo, mas não sei bem. Vamos voltar à fotografia de rua. A vida entre linhas - Brasília 2017 Ao sair para as ruas para fotografar, tento ver, e quem sabe capturar, imagens dessa vida caótica que está em constante relação com as linhas retas e frias, com as curvas geométricas, com os lugares planejados. Falo de caos, mas é um caos lindo, e a imprevisibilidade humana é nossa riqueza. A fotografia entre linhas que faço é uma busca por mostrar a organização fria da engenharia comportando a vida orgânica que na verdade não pode ser contida por ela. Não seguimos as retas tão certinho como estas sugerem. Não sabemos muito sobre para onde vamos, mas vamos mesmo assim. Temos o sonho de seguir, e ir longe. Navegamos mais como um barco a vela, tentamos seguir as linhas mas por vezes é impossível. A vida entre linhas - São Paulo 2017 Então registro pegadas da vida entre linhas, entre retas, entre curvas, essa vida orgânica e disforme. Acho que a vida aparece nas entrelinhas. Ah, e agora com a palavra O Mestre: Poema em linha reta Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Toda a gente que eu conheço e que fala comigo Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Arre, estou farto de semideuses! Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? Poderão as mulheres não os terem amado, Fernando Pessoa Fotos e texto: Yuri Bittar (Artigo publicado abr/2017 - revisado em julho/2019)
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