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Aprender a admirar e esquecer de possuir Fotografia como caminho(s) de qualidade de vida na relação com a natureza por Yuri Bittar (UNIFESP) Palavras chave: fotografia contemplativa; natureza, admirar; aceitar. Para admirar (ou contemplar) e se encantar com algo é preciso estar presente, fazer uma pausa, dar tempo. Admirar algo é um outro jeito de possuir, é um possuir não predatório, é a lembrança, o convívio, é o que se ganha com a experiência. Ao aprender a admirar a beleza da natureza e das coisas simples e comuns da vida pode-se descobrir que não é preciso possuir e enriquecer para depois usufruir. A riqueza do momento presente já está dada. Um possível caminho para aprender a admirar é a Fotografia Contemplativa. Se partirmos do princípio que fotografar é apreciar, explorar e conhecer o mundo, ou seja, contemplar, podemos concluir que algo essencial (e até óbvio) na fotografia é a presença, afinal não se pode contemplar sem estar realmente presente. E mais do que estar presente, creio que não se pode contemplar o mundo sem ter com este uma relação de presença, em oposição a uma relação de utilidade. A Fotografia Contemplativa pode ser entendida como um estado mental aberto, curioso, sem julgamento, concentrado em apenas ver. Antes de uma técnica de fotografia é uma forma de ver o mundo e de viver. É a experiência visual direta, não conceitual, ou seja, a pura percepção. É uma prática ligada à meditação que, buscando ver a realidade sem pré-conceitos, fórmulas, definições, ansiedades, objetivos, apenas ver, visa trazer nossa visão para o presente, para o dia-a-dia, para o real, abrindo nossos olhos e permitindo ver o “novo” no cotidiano, ver beleza e criar arte. (BITTAR, 2014) A partir de autores como Martin Buber e Cartier-Bresson, propomos três caminhos para desenvolver a admiração e a presença, caminhos que podem ser paralelos, convergentes ou complementares, a troca, a pausa e a aceitação, que vamos explorar a seguir. TROCA A vida é troca, e troca é encontro, é ser (e não ter) Para Buber, filósofo e pedagogo da primeira metade do séc. XX, só estamos presentes de fato quando estamos em uma relação (Eu-Tu), e isto ele também chama de contemplação. Se estamos em busca de algo, dominar, consumir, nomear, estamos em uma experiência do ISSO, da coisa (Eu-Isso), o que cria uma decomposição que torna tudo objeto (Buber, p.45). A relação de presença, definida por Buber, é mais do que apenas presença, pois é uma relação de encontro, de comunicação com o outro. Essa relação de presença não é o que fica, mas o que é, “não é algo fugaz e passageiro, mas o que aguarda e permanece diante de nós”, é uma relação com o essencial, não com as objetividades ou vontades de consumir e absorver (Buber, p.33). Há, para ele, uma grande diferença entre olhar (ou ver normal) e contemplar. Olhar é querer, contemplar é ser. Podemos ver sem estar realmente presentes, mas esta será uma busca por utilidade, por meios de resolver outras coisas. Querer TER é fonte de estresse, enquanto SER pode ser fonte de qualidade de vida. Ao estabelecermos uma relação de presença com algo ou o meio ao nosso redor, temos mais que olhar, temos contemplação e podemos estabelecer comunicação e alcançar este outro. Há portanto uma grande diferença entre o “ver” e “contemplar” de Buber, que combina muito bem com a Fotografia Contemplativa.
PAUSA Sem pausa, não há beleza, não há ampliação Se fotografar é apreciar, contemplar, expandir nosso mundo, podemos entender o que disse Cartier-Bresson sobre como a fotografia surgiu para ele quando começou a perceber que ao olhar melhor pelo visor da câmera, seu “pequeno mundo se ampliava” (p.15). Para ele a câmera não é um limitador, não faz recortes, mas torna-se um instrumento que amplia nosso olhar, nos permite descobrir o mundo, o mundo nos forma e nós influímos nele.(p.29). “Nossa tarefa consiste em em observar a realidade com a ajuda deste bloco de esboços que é a nossa máquina fotográfica, e fixá-la…” (p.19). Fotografar é como uma pausa, um momento em que o presente se expande: “Fotografar é prender a respiração quando todas as nossas faculdades se conjugam diante da realidade fugidia; é neste momento que a captura da imagem é uma grande alegria física e intelectual. [...] Fotografar é pôr na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração. (Cartier-Bresson, p.11) Acredito que para ele a cabeça seja a razão, memórias, angústias, desejos, esse mundo de coisas que habitam nossa mente, nossa ligação com o passado; o olho seja a percepção, a contemplação, nossa âncora no presente; e o coração seja nosso ser, nossos sentimentos e esperanças mais profundos, uma ligação com o futuro. Para Cartier-Bresson, a fotografia (e tomo a liberdade de acrescentar, a fotografia da presença) [...] é uma maneira de gritar, de libertar se, não de provar nem de afirmar sua própria originalidade. É uma maneira de viver.” (Cartier-Bresson, p.11-12). Portanto a ampliação, resultado da presença e objetivo da fotografia (para ele), só acontece no momento da pausa, de sair da correria e utilidade do cotidiano e apenas ser. A pausa é a verdadeira presença, é o momento de estar, de ser. Parece contraditório falar de pausa como caminho, mas se pensarmos que estamos sempre buscando algo e quase não encontramos nada, parar para encontrar parece uma grande ideia.
ACEITAÇÃO Aceitação é descobrir o simples A partir do conceito de Buber apresentado acima, podemos entender esta prática, a Fotografia Contemplativa, como uma relação acima de tudo de aceitação. Essa aceitação é justamente esse estar presente, desenvolver o admirar, a presença e a troca, pois não é uma busca por algo específico, mas sim uma relação de estar junto e descobrir o que existe. Vejam que esta é a parte radical da proposta, entender que o potencial do admirar é muito maior que do possuir, pois não há o risco de decepção ou perda. Estar junto do que nos rodeia, objetos e pessoas, natureza, lugares, sempre tratando-os como “Tu”, nos leva a descobertas imprevistas e por isso mesmo mais ricas. Assim contemplar é acima de tudo se relacionar, trocar e aceitar a troca possível. Conclusão - admiração como estilo de vida Viver mais admirando do que querendo possuir. Ao admirar ganhamos. Ao buscar a utilidade às vezes ganhamos e às vezes perdemos. Buscar uma relação de presença e não de utilidade. Essa é nossa conclusão e também uma proposta para educar em direçã oa uma relação saudável com a natureza, uma relação humanizada e ampliada (GALLIAN ET ALL, 2012). Acredito que um “estilo de vida” de admiração, de contemplação, nos ajuda a nos libertar das necessidades de coisificar, de viver uma experiência apenas utilitarista e estressante. Encontramos esses três caminhos, o de TROCA, o da PAUSA, e o de ACEITAÇÃO. Devem haver muitos outros, mas acredito que refletir sobre estes, e tentar praticá-los, já deve ser muito impactante. Cada um desses caminhos, ou uma mistura deles, talvez possa nos ajudar a ampliar nossa presença, a viver melhor o momento presente, diminuindo o estresse de ter, aumentando a possibilidade de SER e assim ter mais qualidade de presença. Apesar de chamarmos isso de “caminhos” é importante lembrar que não há caminho, o que temos à frente é um campo vasto de infinitas possibilidades e escolhas. Como disse o grande poeta sevilhano Antonio Machado: Caminante, no hay camino, [Extracto de Proverbios y cantares (XXIX)] * Artigo escrito para o I MOLA - Mostra Latino-americana de Arte e Educação Ambiental - nos dias 11, 12 e 13 novembro, nas dependências da FURG. Referências:
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